quinta-feira, 12 de junho de 2014

Bilhetinho









Você ficou de voltar e arrumar aquela gavetinha da cômoda azul turquesa que fica no nosso quarto. Tá!!!!! Nosso antigo quarto!
Agora quarto de ninguém....Ninguém não, porque eu ainda durmo lá.
Deito na cama e fico horas olhando pro teto, desmentindo na minha mente as loucuras que ele já testemunhou.
Tô escrevendo esse bilhete, gosto de chamar bilhete mesmo que tenha formato e toda a extensão de uma longa carta, porque soa menos intimo, menos pessoal...
Vai você me conhece!!! Sabe o que estou tentando fazer! Criar uma atmosfera diplomática!
Enfim...to escrevendo pra te lembrar de vir aqui limpar aquela gaveta imbecil, que você, por pura desobediência guardava todas aquelas besteiras de cupons promocionais de comida japonesa, bilhetinhos que deixávamos um ao outro na geladeira e aqueles malditos bilhetes de cinema!
São mais de cinquenta! Que a gente fazia tanto no cinema? Não gostávamos de teatro? Você não gostava! Achava próximo demais. Te sufocava a idéia de ser confrontado pelos atores, como foi um dia quando criança no circo, por um palhaçoo banguela que te encheu de medo.
Noossa...que  dózinha tinha de você com aquela história! Dava vontade de te pegar no colo. E eu teria pego não fosse sua fobia por nos tornarmos umbilicais demais! Detestava isso em você, detesto!
Esses medos, essas neuroses sempre nos afastando, nos distanciando..enquanto eu lutava como quem corre contra um furacão pra te alcançar! Como fui Estúpida.
Bom, deixarei a chave naquele nosso esconderijo secreto. Tá...!!!!Embaixo do tapete da porta de entrada do apartamento não é muito secreto, mas ladrão sempre pensa que ninguém é tão inocente pra deixar chaves lá!
Abra a porta e vê se bate as botas no tapete do vizinho antes de entrar pra não sujar nossa casa. MIIIIIINHA CASAAAA!!!! Saco! Lembro da sujeira que você fazia cada vez que chegava que me confundi! Talvez demore um tempo até que eu me habitue de que não vou mais ter com quem resmungar a sujeira e nem as toalhas molhadas em cima dos lençóis...
Ah..tem suco de tamarindo na geladeira e eu já deixei um copo daqueles que ganhamos de lembrança da formatura do Zé com gelo no congelador, do jeito que você gosta. Talvez demore um tanto de tempo também até que eu me acostume a não querer agradar você quando chega em casa. É que por mais barulho e sujeira que você fizesse, meu coração fazia festa porque eu não via a hora de tomarmos banho e deitarmos na sacadinha de 80 centímetros pra ficar  apertados, espremidos em silêncio depois de fazermos relatório do dia um ao outro!
Chegar em casa e não te ver mais chegar vai ser tortura, eu acho. Mas eu me acostumo! Você sempre disse que eu sou uma ranzinza, metódica e imediatista demais...pra você talvez seja um alívio.
Mas vou sentir sua falta.
Ah...pra que ficar tentando desmentir e convencer você de uma inverdade?! Você me conhece. Não preciso usar máscaras com você. Talvez você seja a única pessoa de carne e osso que não tenha me visto usando máscaras...É que com você eu sempre me senti a vontade pra ser eu mesma porque você, mesmo que torcendo os olhos, a boca, torcendo o nariz e todo o resto desgostoso, sempre me amou e me aceitou chata de galocha! E eu sei que sou um verdadeiro porre!
Pra começar minhas exigências são de que você viva lendo  e adivinhando meus pensamentos e satisfazendo meus desejos! Eu falo: detesto romantismo, detesto rosas! E no dia dos namorados você,sem saber que isso é tudo conversa fiada, que é tudo charme, manda n meio do dia apenas um whats app dizendo "Feliz dia dos Namorados". Pronto! Fim do Mundo pra mim!!!! Fim da sua paz! Porque A noite, de cara emburrada o tempo todo e pra te punir  digo que não foi nada quando você me questiona! Quem aguenta?! Merece mesmo um Oscar quem aguentar ficar comigo e me suportar!
E logo agora, me veio a mente uma lembrança: aquele dia em que tomamos banho de chuva! Aquela chuva me borrou os olhos de rímel, me descabelou e você parou de falar e disse sorrindo olhando pra mim " você é linda, eu amo você".. Nostalgia loucura neste exato momento! Eu chorei porque a chuva disfarçava as lágrimas mas você percebeu e me abraçou...Sempre tão presente, apesar de distante. Talvez eu tenha contribuido com  essa coisa abismo entre nós dois! Preciso te ver hoje! Nem que você não arrume aquela gaveta infeliz. Não, venha arrumar sim, não aguento mais ela toda bagunçada! Ai você pode fazer Assim...se quiser:
 passa na padaria da esquina de cima e pega aqueles docinhos e um daqueles pacotinhos de amendoim salgadinho com casquinhas que eu amo e a gente vai comendo enquanto você dá um jeito naquela gaveta?!
Eu sento ao seu lado e te ajudo no que precisar.
Podemos reler algumas de nossas histórias e rebuscar dentro de nós tudo que nos motivou assistir mais de cinquenta filmes em menos de dois anos no cinema! O que nos levou a ficar horas ao lado um do outro naquela formatura chata do Zé! A vida com você ao meu lado é fabulosa apesar de arriscada! Mas correr riscos é o que quero..Talvez caiamos na graça de ser feliz, fazendo-nos rir um ao outro, um do outro...Quero rir e chorar e brigar, só se for com você. E nessa reorganização de nós dois pode ser que dure uma noite quase toda e  se ficar tarde, você dorme aqui! As ruas andam perigosas pra andar de madrugada por ai!
Ai quem sabe você vai ficando e a gente vai guardando mais coisas na gaveta, e a gente vai escrevendo nossa história torta, cheia de rasuras, de amassados e fissuras e guardando na gaveta da cômoda turquesa. Porque se não for pra guardar essas imbecilidades, não sei o que vou fazer com essa gaveta. Nem com o tapete da porta de entrada, nem com a garrafa de suco, nem com esse lance maternal dentro de mim por você...nem com meu coração!


PS: Não esqueça o amendoim! Nem de bater as botas no tapete daquela velha rabugenta do apto. 104!

Te amo!